Avaliação: Ótimo
Se o primeiro longa de John Krokidas traz algo em comum com o "On the Road" (2012) de Walter Salles, para além de retratar escritores e obras da Gearação Beat, é a sua aspiração em transformar uma cinebiografia, assim como Salles fez com uma obra literária, em um estudo sobre a criatividade e, principalmente, aqueles que a inspiram. Muito além da ideia de musas que mitologia grega instituiu no imaginário popular, os personagens de Dean Moriarty em "On the Road" e de Lucien Carr em "Kill You Darlings" são enfant terribles, sexualmente ambíguos e localizados num espaço entre a agonia existencial, a vaidade e a necessidade de transcender o ambiente que tenta os definir.
E por isso mesmo objeto de criação dos 2 cineastas. Nesse sentido, Krokidas constrói uma elaborada trama que mais se preocupa em investigar o criar artístico do que em construir um suspense sobre o assassinato de David Kammerer por Lucien Carr, interpretados brilhantemente respectivamente por Michael C. Hall e Dane DeHaan. A história por si só já renderia não apenas por ser o conto de assassinato no meio da Geração Beat, mas também pelas relações intricadas dos seus personagens.
O poeta Allen Ginsberg (Daniel Radcliffe) acabara de entrar para a Universidade de Columbia, em Nova York, quando conhece Lucien Carr, que o apresenta a figuras importantes como Jack Kerouac e William Burroughs e a outras inoportunas, como Kammerer. Juntos eles dão início ao New Vision, um movimento que, inspirado pelo trabalho de predecessores como Yeats, Whitman e Rimbaud, daria origem à produção literária da Geração Beat. Se tanto Ginsberg quanto Kammerer se apaixonaram por Carr e sua persona magnética provocante, Krokidas parece nos induzir a acreditar que a transgressão, nesse caso, viria no criar não pelo objeto, mas para além do que esse objeto estimula. Se Kammerer nunca conseguiu criar nada relevante além dos trabalhos de faculdade de Carr, Ginsberg, contagiado pela paixão, a transforma em literatura. Talvez a diferença entre paixão e obsessão, ele parece nos dizer.
Os limites e efeitos do ser transgressor, e da sua oposição, o conformismo, são explorados de forma criativa, como numa bela seqüência em que logo após sugerir de forma chateada o nome de Shakespeare numa aula, Krokidas faz com que o personagem de Carr aja e interfira em um casal como o Puck de Sonhos de uma Noite de Verão num bar. Da mesma forma, o limite de Ginsberg no final do filme surge quando ele é colocado diante da necessidade de trair sua natureza homossexual para cumprir uma possível nascente obsessão.
A homossexualidade aqui é uma espécie de linha que o objeto da criação teme em cruzar, assim como o Kerouac do filme de Salles. A sexualidade é, inclusive, um aspecto marcante nos 2 filmes e constitui posicionamentos políticos de releitura da Geração Beat e da época que os produziu. Além de reforçarem o dilema presente nas 2 obras: seria o artista predador ou redentor do seu objeto de inspiração? Por isso, adaptações literárias fiéis deveriam ser obras cinematográficas cada vez menos procuradas: o cinema não precisa nunca ser essa arte, supostamente inferior, de reforço na significação literária tal como um espelho puro e sim uma criação de diálogo e ressignificação.